Agora Natal

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Jornalista, produtor cultural.

sábado, dezembro 09, 2006

Carnatal: Uma odisséia carnavalesca

Uma odisséia carnavalesca
sob um céu de estrelas

Antonio Naud Júnior
Jamais esquecerei do meu primeiro carnaval. Aconteceu na Praça Castro Alves, em Salvador, a Terra do Nosso Senhor, com turma animada, que incluía o poeta Waly Salomão e diversos artistas da cena artística baiana, em torno de Caetano e Dedé Veloso. Com apenas quatorze anos, eu namorava Nara Gil, a filha do atual Ministro da Cultura, e tinha energia juvenil para absorver de um só golpe, noites perdidas, lança-perfume e vodka com água de coco. Nas duas décadas seguintes, variando o repertório, curti a folia momesca com porres homéricos em Porto Seguro, Itacaré, Olinda, Recife, Morro de São Paulo, Rio de Janeiro, Veneza, Ilhas Canárias, no bairro londrino de Notting Hill e até na pequena Estarreja, em Portugal, atuando como jurado de um concurso de fantasias. No Rio, bailei numa escola de samba do segundo grupo, seminu, em cima de um carro alegórico lotado de palmeiras, pássaros e indígenas drogados. Neste mesmo ano, a star Vera Fischer, mais louca do que nunca, caiu de outro carro alegórico, de uma altura de quatro metros, e levantou sorridente, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
De uns tempos para cá, maneirei a euforia. Houve até um carnaval em que permaneci meditando num mosteiro nos Pirineus. Entretanto, nunca deixei de gostar desta "invenção do Diabo que Deus abençoou". Está no sangue. Sou baiano, meu rei. Este ano, convidado pelo jornalista e querido amigo Toinho Silveira, mergulhei de cabeça no Carnatal, conhecendo a sua realidade de altos e baixos. Já havia brincado no Burro Elétrico em 2002, inclusive pulando com a deputada Fátima Bezerra. Mas foi só uma única noite. Do majestoso camarote de Toinho, protegido espiritualmente por um céu de estrelas, com boa doses de uísque, bailei, aplaudi os amigos Margareth Menezes e Netinho, e me diverti adoidado, sem deixar de observar tudo o que se passava ao meu redor.
Do alto, como biógrafo oficial do império de Nero, avistei os pobres cordeiros esmagados entre a euforia dos foliões e a desilusão contemplativa da pipoca. Eles ganham dez reais por noite de trabalho, sem lanche ou bebida. Num determinado momento, no sábado, houve um verdadeiro motim, uma batalha terrível durante uns dez minutos, em que eles receberam na cara - e revidaram - latinhas de cerveja. Imagine o desmantelo. Os dois batalhões de polícia, na entrada do corredor da folia, não moveram um dedo para acabar com a violenta confusão, como se fossem convidados especiais da festa e não profissionais pagos pelo povo para garantir um mínimo de segurança. Os foliões dos blocos, apertados como sardinhas em lata, suados, empurrados, vestidos com feios abadás sintéticos, pareciam felizes, incapazes de perceber a estupidez coletiva ao pagarem para participar de tais blocos. Afinal, que sociedade é essa em que se paga caro pelo desconforto? Claro que já houve uma época em que os blocos não acumulavam tantas pessoas, eram seletivos, folgados e distribuíam bebida e comida em excesso. Hoje o que impera é a ganância irresponsável dos empresários do show business.
Nos camarotes, a chamada high society demonstra a mesma inconseqüência do mais comum dos mortais. Inicialmente, fazem caras e bocas, bastando a bebida (e outras cositas) empapar os neurônios para perderem o tino. Então o ambiente se transforma em um circo alucinado. Senhoras casadas acossam garotões, adolescentes agoniados se metem nos banheiros químicos – Deus sabe lá fazendo o quê! -, burgueses prometem mundos e fundos em troca de sexo e bichas oportunistas assediam endinheirados, bancando os bobos da corte. Os jornalistas, donos do poder, já que podem circular por todos os lugares disputados a tapa e escolher os seus entrevistados, empinam o nariz. O triste é a vulgaridade generalizada. Os colunáveis surgem diante das câmeras fotográficas vestidos com os mesmos trajes dos humilhados e ofendidos. Nada de elegância, máscaras luxuosas, fantasias, vestidos exóticos, maquiagem irreverente etc. Estão todos lá, com seus uísques suspeitos, pintura facial doméstica, penteados de dona-de-casa, bijuterias cafonas, camisas de lycras, decotes improvisados, umbigos de fora, nós na cintura. Cadê o linho, a seda ou a organza? Por que não contratam um consultor de moda para tais ocasiões? Não garantem que são ricos se exibindo numa vitrine? Ou a meta é reverenciar o kistch?
Mesmo assim, a beleza existe. Está presente em corpos sensacionais, em beijos inesperados, na energia contagiante da multidão em busca de algumas horas de felicidade. Juntando tudo, terminei por concluir que o Carnatal é uma festança interessante, mesmo com o leque variado de inconveniências. O maior engano está em copiar o carnaval de Salvador, tornando-se uma micro-celebração soteropolitana. Por que tantos cantores baianos? Qual a originalidade de blocos e camarotes que se espelham na Bahia? Tudo bem, o que é bom merece ser fonte de inspiração, mas jamais de plágio visível. É preciso dar voz aos artistas locais, a um projeto carnavalesco essencialmente potiguar. Concordo que incentiva – e muito – a participação de ídolos da estatura de uma Ivete Sangalo, mas em contrapartida contratem cinco cantores do Rio Grande do Norte para cada figurão de fora. Gostam de blocos? Então criem novas modalidades. Por exemplo, com hino próprio, temas locais, roupa original, cordeiros bem pagos, número limitados de foliões.
Pois é, meu caro leitor, celebrar o carnaval continua sendo mágico, talvez fundamental para aliviar o stress de todo um ano de trabalho, porém uma festa de verdade só funciona inteiramente dentro dos nossos próprios costumes, caso contrário não passará de mais um evento popular matuto e caça níqueis. (Antonio Júnior é escritor e jornalista. E-mail: naudrn@yahoo.com.br).

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